A explicação de Daniel para termos encarado nossa maior aventura em família, até hoje, está na música “Sei lá a vida tem sempre razão”, de Vinicius de Moraes, no trecho que diz: “...a hora do sim é o descuido do não”.
Talvez por isso, para uns bem pé no chão, navegar não seja realmente preciso, muito menos por diversão. Esse é o caso de Cosme, filho de pescador, que nos alugou material de mergulho na Praia do Forte: “Tenho toda a segurança mergulhando, mas a pior coisa do mundo é estar em cima de um barco”, disse pra gente numa conversa, em tom de conselho. Foi ele quem encontramos, por coincidência, no entardecer dessa quarta-feira, encharcados, de roupa e tudo, depois de desembarcar de nossa inebriante navegação.
Daniel – parecendo o próprio comandante da embarcação, mirando firme a proa do barco – passou toda a viagem de pé, até se esvarar no convés. A cada onda maior que se aproximava e parecia estar prestes a cobrir o barco, ele encarava o mar e expressava um sonoro “Oba!!!”. Hoje, depois de todos perguntarmos o por quê daquela animação, enquanto nos encolhíamos, entendemos que cada um canalizou o medo de uma maneira.
Caio - dois anos, cinco meses e um novo vocabulário a cada dia – ficou impressionado com a reação de outra criança logo no embarque, e assimilou rapidinho o significado da palavra medo. Fechou os olhos, choramingou, me abraçou e adormeceu. Apenas despertou o ânimo ao sentar-se na areia da praia, assim que voltamos.
Davi - com sete anos e toda a força destemida para enfrentar os 7 mares - estava no cenário perfeito para encenar um filme de bravos piratas, mas passou a viagem deitado sobre a Jubarte de pelúcia (já batizada de Jujuba). Agora essa era a única baleia que se interessava por ver. Na primeira grande onda de uns 4 metros, que fez o barco saltar bruscamente, ele me pediu choroso para dizer ao capitão que não fizesse mais aquilo. Mas, apesar do susto, Davi foi o único que não enjoou. Para ele, houve até uma paixão: Sofi!, seu primeiro amor - uma francesinha que estava ao seu lado durante toda a viagem, e também em seus sonhos por dois dias.
Ana - com a coragem que precisava transparecer, só pensava em como poderia ter sido capaz de tamanha insensatez: submeter os filhos a uma situação que eu não poderia controlar e talvez até traumatiza-los. Estávamos todos no limite de nossas emoções. O alívio vem hoje, ao perceber que nenhum deles acordou assustado durante as noites que se seguiram à viagem.
Íris – nossa bióloga, olhando o horizonte sempre de cabeça erguida - cedeu ao mal- estar e em seguida melhorou e dormiu. Quase não acorda na hora de ver a baleia, que acabava de aparecer e mostrar a calda, depois de pelo menos três horas de nossa viagem. A tripulação acabava de decidir pelo retorno e reconhecer o dia difícil para observações em alto-mar: “O pior dos últimos tempos”, segundo eles. Mas, agora Íris estava feliz, olhou novamente, demorou um pouquinho e viu um salto do mamífero, não tão gigante como haviam falado. Ficou impressionada com a descrição sobre a baleia que víamos aparecer e desaparecer nas águas a cerca de 100 metros.
Jubarte - sub-adulto de quatro metros e meio, tido como arredio, por não se aproximar do barco, nem estar acompanhado de seu grupo. Tão ágil, que não conseguimos registrar com a pouca velocidade de nossa pequena câmera digital.
Terra firme marujo! Gritou Davi, ao avistar o farol. Ele estava muito mais animado do que no momento em que vimos a baleia. Com certeza traduziu a sensação de nosso quinteto. Com os pés ainda trêmulos na areia, realmente precisávamos sentir o chão firme depois de quase cinco horas dentro de um barco. Mergulhar, talvez fosse a solução imediata para deixar possíveis traumas pra trás. Era preciso entrar e sentir o mar sem medo, o gosto e o cheiro salgado, ir pra casa com vontade de voltar pra nossa curta e bem aproveitada temporada praieira.
Nossas aventuras na Bahia:
A bênção de Vinicius de Moraes
Por mapas, trilhas, bússolas e alto-mar
Os Camaradas: Jorge Amado e Luiz Carlos Prestes
Próxima parada: umbigo da Bahia