terça-feira, 30 de setembro de 2008

Crianças com câncer lutam contra burocracia


Por Ana Inês
Esta matéria foi encaminhada como sugestão de pauta à imprensa local. No entanto, como não houve retorno de apuração dos veículos contactados sobre o problema, a divulgação online surge como opção para debate e conscientização. Infelizmente muito se perde no meio do caminho...

Pais e especialistas que lutam pela vida das crianças com câncer atendidas na rede pública do Distrito Federal afirmam que o maior problema enfrentado ainda é a burocracia.
Embora seja considerado um dos centros de referência nacionais para o tratamento das crianças com diagnóstico de câncer e outras doenças do sangue, o Hospital de Base, em Brasília, ainda sofre grandes restrições para garantir as condições básicas (leitos, materiais e medicamentos) ao atendimento de pelo menos 800 crianças.

Segundo a chefe do setor de hematologia e oncologia pediátrica do Hospital de Base e do Hospital de Apoio do Distrito Federal, Drª Isis Quezado, além dos problemas com a falta de leito, com as vagas para a cirurgia e UTI pediátrica, a qualidade no atendimento é comprometida pela "briga de foice" para conseguir medicamentos e materiais ambulatoriais básicos para as crianças.

Há 25 anos no hospital de Base, a Drª Isis afirma que a atenção às necessidades e urgências da oncologia pediátrica já evoluiu bastante, mas continua longe do ideal. Sua reflexão mostra, além da trajetória evolutiva da medicina, a importante participação das famílias e da sociedade na conquista dos índices que, com muita luta, se aproximam das estatísticas internacionais.

Segundo a Drª Isis, nos anos 80, antes do envolvimento organizado dos pais e familiares para garantir o direito de sobrevivência de seus filhos, as crianças com câncer eram abandonadas pelos hospitais e enviadas de volta para casa sem consideração das possibilidades de cura. Também não havia serviço estruturado e os pacientes pediátricos eram atendidos pela hematologia adulta, sem especialistas envolvidos com a realidade do quadro hematológico infantil.

Hoje a estrutura está voltada para capacitar médicos da atenção básica, que façam o diagnóstico da doença o mais rápido possível e se inicie o tratamento em até 72 horas.

"Não dá tempo de pedir e aguardar, nossas crianças não podem esperar", afirma a Drª Isis ao comentar que este é exatamente o problema do serviço público: "o engessamento e a demora para se atender as urgências da doença". Ela reconhece as conquistas e o interesse das secretarias. Menciona a construção do Hospital de Apoio para atendimento das crianças e famílias que vem e voltam diarimente para o atendimento ambulatorial, cita o exemplo do passe livre no transporte público mas afirma que, na condição de vida que se encontram, toda e qualquer falta é grave: se aos internos faltam leitos e infraestrutura, para os pacientes-dia dos ambulatórios faltam os instrumentos e medicamentos essenciais.

Enquanto a burocracia pede para esperar...
Não apenas para os médicos e especialistas mas, principalmente, para as quase 2500 crianças já tratadas no Hospital de Base, os índices de 70% de cura alcançados pelo Distrito Federal - semelhantes a outros centros de referência, como São Paulo, Curitiba e Salvador e próximos aos 75% registrados internacionalmente – não seriam possíveis sem a atuação da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (ABRACE).


Hoje a Abrace reúne uma rede com mais de 100 instituições para assistência à saúde e à família das crianças com câncer em todo o Brasil, mas nasceu do inconformismo dos pais com o descaso do serviço público de saúde à situação dos seus filhos. "Infelizmente, até hoje, criança não é prioridade!", desabafa Ilda Peliz, presidente da Abrace/DF - responsável pela construção do Instituto do Câncer Infantil e Hospital de Especialidades Pediátricas do Distrito Federal, previsto para ser concluído no próximo mês de outubro e receber seus primeiros pacientes até o início de 2009. Ilda afirma que o papel da abrace é cobrar incansavelmente das autoridades públicas melhores condições, mas reconhece que, enquanto a burocracia pede para esperar, não se pode ficar de braços cruzados.

Ilda, que está na Ong há 13 anos, desde que lutava contra o câncer de sua filha Rebeca (falecida após 2 meses em estado de coma por complicações da doença), confirma que hoje, novos pais formam a organização, novas crianças e famílias recebem apoio, mas a ABRACE continua se mantendo da mesma forma: a partir do engajamento e das doações da comunidade e do apoio de empresas parceiras em projetos específicos, a exemplo da própria construção do Hospital. "Pra mim, ainda se planeja muito mal no estado e o maior problema é mesmo a falta de prioridade à criança. Não adianta ter médicos competentes e não ter os equipamentos e remédios necessários", afirma Ilda Peliz ao citar os inúmeros esforços que a equipe médica e a abrace tem feito em prol de tantos futuros promissores, que hoje não tem condições de lutar pela sobrevivência. "juntos, nós procuramos, compramos e conseguimos remédios e equipamentos no tempo e nas condições que o governo não tem". E, como pelo menos 90% das crianças cadastradas na Abrace pertencem a famílias de baixa-renda, toda assistência faz a diferença: desde fraldas descartáveis ao aluguel de UTI móvel; desde transportes aéreos para conseguir em tempo hábil a realização de transplantes, até a aquisição de medicamentos e materiais básicos, como os catéteres necessários no dia-a-dia da luta contra a doença.

Catéter-baby
Há um mês, era exatamente o que faltava para o Pequeno Pedro Paulo: um catéter-baby. O matérial é essencial para o tratamento da doença (realização de exames e administração de medicamentos) mas, segundo a hematologia do Hospital de Base, como o diagnóstico de leucemia em bebês recém-nascidos ainda é considerado raro (no Brasil e no mundo) o material não é adquirido com fenquência, nem muito menos com agilidade no serviço público. Geralmente a doença é detectada depois dos dois anos de vida. Por isso também, o Hospital de Base e o próprio Pedro Paulo participam de uma pesquisa mundial para identificar características comuns entre os pacientes recém-nascidos com Leucemia Linfoide Aguda (LLA). Os fatores familiares e o período gestacional são os aspectos mais estudados para o cruzamento dos dados que favoreçam o entendimento dos pesquisadores sobre o problema.

Foi a partir do envolvimento dos médicos e da busca por soluções, que Jaciene e Silvio, pais de Pedro Paulo, se vestiram ainda mais de coragem para lutar, não só contra a doença do pequenino, mas para enfrentar a burocracia e a falta de condições do Sistema Único de Saúde. Como na maioria dos bebês que precisam enfrentar o procedimento, encontrar uma veia para exames e aplicação de soro não é nada fácil. Mas, como qualquer outro paciente hematológico, Pedro Paulo precisava se submeter aos furinhos de agulha várias vezes ao dia (geralmente na cabeça), principalmente enquanto não tivesse um catéter. Foi assim que, felizmente, Pedro Paulo recebeu de presente o catéter-baby. Agora restaria aguardar "mais um pouquinho" por uma vaga no Centro Cirúrgico.

"Enquanto não temos filho, também não temos idéia do que significa pedir ajuda. Mas, com um bebê no colo, lutando para que não sinta dor, perdemos o orgulho", desabafa Jaciene ao correr atrás da ajuda dos conhecidos e desconhecidos.

Cadê os remédios?Enfim com seu bebê nos braços, liberados para os atendimentos ambulatoriais, indo e vindo para casa todos os dias, a dificuldade passava a ser a compra dos remédios que deveriam ser adquiridos na própria famácia do Hospital de Base.

Mas, Jaciene e Silvio, ainda não dormiram tranquilos. Para conseguirem os remédios receitados pelo oncologista foram encaminhados a outra drogaria do próprio hospital e, em seguida, a um posto de saúde. Mas continuaram de mãos vazias. Quando chegaram ao Hospital de Apoio, a primeira pergunta: "mãe, você trouxe os remédios?". Desempregada e precisando se dedicar dia e noite, para garantir mais um dia de vida a seu bebê, Jaciene outra vez contou com a ajuda de familiares, amigos e até desconhecidos. Silvio também mobilizou todo mundo que conhecia e não conhecia. Entre a labuta do trabalho e a rotina de acompanhar o filho e a mulher nas idas e vindas ao hospital, Silvio continuava com a voz serena, até mesmo numa conversa por telefone, ao agradecer todo e qualquer apoio. Os remédios ajudam a combater os efeitos da doença, o impacto de cada quimioterapia, e a baixa imunidade de Pedro Paulo. "ele tem que tomar os medicamentos todos os dias. Por enquanto a dosagem é pequena e o que temos pode durar até uma semana e outros, até 15 dias, mas a dosagem também vai aumentando e os medicamentos são muito caros", contam preocupados.

Naquela quinta-feira Pedro Paulo Completou dois meses e foi internado pela última vez. As taxas leucêmicas não estavam reagindo ao tratamento e deveria receber quimioterapia intensa durante pelo menos 24 horas. No domingo Silvio entrou em estado de choque logo após a doutora Raquel correr atrás da UTI para reanimar o pequeno Pedro Paulo. Ele ainda se recupera, ao lado de Jaciene, que narra com minúncias os esforços médicos do último final de semana: "Ele estava sorrindo no colo do pai"
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