segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Alto Falante: Meu Maracatu pesa uma tonelada

Por Daniel Cruz



Quando a moleza trazida com o corre-corre diário já estava impregnando no corpo numa madruga, o som do Nação Zumbi despertou uma saudade de Recife. Na Tenda, do centro comunitário da Universidade de Brasília (UNB), os companheiros de Chico Science iniciaram o show que aflorou o entusiasmo de minha juventude quase esquecida. Para surpresa, escutar o Nação Zumbi tocar Meu Maracatu pesa uma tonelada era como se estivesse em um show de Metal. Algo tão pesado, como ouvir Fear Of The Dark, do Iron Maide; One, do Metallica, ou Punk Rock Hard Core Alto José do Pinho, dos Devotos, em alguma garagem, ou no quarto de casa, nos tempos da adolescência. Inclusive, no próprio show, a banda tocou Purple Haze, de Jimi Hendrix.

Na mesma semana fui comprar o CD “Propagando”, do Nação Zumbi. E nada melhor do que ir trabalhar com terno preto, ao som do Meu Maracatu pesa uma tonelada, que diz:

Carrego pr'onde vou
O peso do meu som Lotando minha bagagem
Meu maracatu pesa uma tonelada de surdez
E pede passagem...
Meu maracatu pesa uma tonelada...


(Composição-Letra: Jorge Du Peixe/música: Nação Zumbi)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Língua de Trapo

Por Daniel Cruz

É inacreditável que neste início de século o sentimento de uma aristocracia falida, adormecida, venha a se insurgir com o jeito despojado de Acosta do Náutico. O craque do Brasileirão foi receber seu prêmio com a alma vestida de glamour, por ter desfilado pelos campos brasileiros encantando o mundo da bola.

De toque irretocável, Acosta - desnudo de Armani, Hugo Boss e etc e tal - emocionou a quase todos, há pouco tempo, ao relatar a vida sofrida de um pai que sustentou a sua família como feirante. Desprovida de ambição, a indumentária de Acosta revela o homem simples – aquele que sabe o valor do dinheiro para se alimentar – ao invés de optar pelo mundo virtual do futebol que suga todos os escrúpulos de um ser humano. O Sábio Acosta confirmou: “Jogador que não passar fome, não é jogador”. Por isso, o craque não pergunta “Com que roupa eu vou para o samba que você me convidou?” e, de quebra tem a benção de Noel Rosa. Valeu artilheiro “feirante”, estiloso Acosta.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Obrigado, Acosta do Náutico!

Por Daniel Cruz

Ao final do trágico jogo “Batalha dos Aflitos”, em 2005, eu resmungava duas frases quando alguém falava sobre o tal jogo: "O Náutico é o time da minha infância e essa é nossa particular Copa de 50". As duas frases continuam a girar na minha cabeça por um motivo: Acosta. O uruguaio me fez lembrar das cores vermelhas e brancas nos meus tempos idos de menino.

Nasci em 1974, até hoje saboreio as jogadas do meu maior ídolo: o artilheiro Baiano. Chuteira de ouro em 1982, ele é também o maior goleador da história do Campeonato Pernambucano, com 203 gols. Assistir Acosta tocando na bola durante o Brasileirão deste ano foi como saborear o "comeu-morreu" (pão com carne moída, cebola, pimentão e tomate) do "Seu Barulho", um senhor negro de olhar tímido, esperançoso e intrigante, que ganhava a vida vendendo - de bata branca sob as arquibancadas perto das sociais - quitute futebolístico nos intervalos dos jogos nos Aflitos.

Acosta comeu a pelota nesse campeonato e ganhou a Bola de Prata da revista placar e o troféu da CBF, como melhor atacante do Brasileirão. O uruguaio chamado de Acosta do Náutico, aqui pelos lados do Planalto Central, sancionou a minha frase: "O Náutico é o time da minha infância". E que bela infância! Um gringo, que sonha com camisa da celeste, me fez esquecer a minha copa de 50.

sábado, 17 de novembro de 2007

Alto-Falante: Toca Raul

Por Daniel Cruz

“Rock para mim não é só ritmo, uma dança. É todo um jeito de falar, de andar, de sorrir, vestir, estalar os dedos, namorar.” (Raul Seixas)

Em 1988, participei da equipe da Rádio Comunitária do Pina, na comunidade do Bode, no bairro do Pina em Recife. O local tem uma história de resistência pela moradia do proletariado pernambucano. Na época, militava no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e uma de nossas tarefas era conquistar a Associação dos Moradores, que controlava a estação de Rádio, para organizar o partido na comunidade – praticar idéias marxista-leninista. Com a vitória do camarada Gabi (Gabriel), morador do Bairro, para comandar o Centro Comunitário do Pina, tive meu primeiro contato com o jornalismo. Nos meus saudosos 14 anos, acordava cedo para ler os cadernos esportivos do DIARIO DE PERNAMBUCO ou JORNAL DO COMMERCIO e apresentar um programa de 15 minutos sobre Futebol. Era um sucesso! A voz de garoto e as notícias fresquinhas sobre o Náutico, Sport e Santa Cruz despertavam a curiosidade da comunidade.

Conto essa história para homenagear as ondas acústicas dos alto-falantes pendurados nos postes das casas. Por isso, o Repórter Free cria neste momento o Alto-Falante. Com dicas de músicas para melhorar o humor durante o seu corre-corre diário. Nada mais justo e saudoso do que começar com Raul Seixas – Os 24 maiores Sucessos da Era do Rock.


O mais fantástico dessa lembrança de Raul é o cômico berro que escutamos em qualquer show de bandas alternativas ou festas. Sempre alguém Grita: TOCA RAUL!!!! Aqui em Brasília no Festival de Cultura Popular, Ouvimos de repente um: - Toca Raul! e do palco o vocalista brinca: - Já?... e solta alguns acordes de Cowboy Fora da Lei. É isso. Raul é o Roqueiro mais popular do País.


No encarte do CD Os 24 maiores Sucessos da Era do Rock, o presidente do Fã-clube de Raul, Sylvio Passos, explica a origem desse CD.
“Os 24 Maiores Sucessos da Era do Rock foi lançado, originalmente em 1973, pelo selo Polyfar da Phonogram. Não trazia em sua capa o nome Raul Seixas, e sim, o de uma suposta banda chamada Rock Generation – para não atrapalhar a vendagem do disco Krig-Há, Bandolo! – lançado na mesma época. Devido ao grande sucesso que Raul alcançou com a vendagem de seus primeiros discos, Krig-há, Bandolo! e Gîta, o disco OS 24 maiores Sucessos da Era do Rock foi reeditado em 1975, com novo título (20 anos de Rock) e nova capa, agora trazendo o nome de Raul estampado, além de enxertos de palmas, para dar impressão de que aquela teria sido uma gravação AO VIVO. Foi reeditado em 1985, pela primeira vez também em CD, com o Título 30 anos de Rock”.

Hoje encontramos esse disco com nova roupagem feita em 2001, mas com a alma de sua primeira gravação, em 1973. Podemos até virar o encarte e guardar essa preciosidade com a cara do original e recuperar boas lembranças, como no depoimento de Marco Mazzola, seu produtor: “Era desejo de Raul que este disco fosse lançado como o original. Foram necessários 16 anos para que seu sonho fosse realizado. Consegui, através da família de Raul, a autorização para que eu pudesse fazer nova mixagem, retirando os ambientes e palmas, que tanto o incomodavam. Portanto, mais um sonho realizado. Obrigado, Raul, por termos feito mais um disco que ficou para a história.”


sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Livro Livre: solidariedade ao pé da letra


Por Ana Inês

Tão criativa quanto, e até mais instrutiva que a mania norte americana das “Cartas em caixas” (letterboxing), é a idéia do “Livro Livre” que está crescendo no Brasil.

Mesmo que as “Cartas em caixas” sejam divertidas, principalmente pelo lado inusitado e aventureiro de quem as esconde ou procura a partir das pistas divulgadas pela Internet, pode não ser uma brincadeira tão segura em alguns lugares que deixam vulneráveis aqueles que saem em busca do tesouro perdido. Alguém marca um determinado lugar, esconde uma caixa com uma caderneta de anotações, divulga na Internet e só espera que um interessado (às vezes descuidado) apareça. Talvez pra nossa realidade não seja uma boa.

Já, o “Livro Livre” pode de fato virar uma mania saudável e, de quebra, estimular e democratizar o hábito da leitura entre brasileiros de todas as idades e faixas sociais. A brincadeira sem fronteiras já registra quase 600 mil leitores livres em todo o mundo e funciona da seguinte maneira: em um determinado lugar público (bares, cibers cafés, paradas de ônibus...) você tem acesso a um livro já doado por um outro leitor. Pegue o livro emprestado, como se estivesse numa biblioteca, e repasse-o quando concluir sua leitura. Você pode deixá-lo em qualquer outro lugar público, para que outro leitor tenha a mesma oportunidade.

E, para quem já percebe no mundo literário muitas portas abertas, a brincadeira pode começar ainda em casa: indo à estante e soltando um de nossos títulos ao mundo dos leitores sem fronteira. Inclusive os infantis.

O livro livre começou a conquistar espaço no Brasil agora em 2007, mas já desperta a leitura itinerante desde 2001, quando o norte americano
Ron Hornbaker, criou a “Bookcrossing”. Essa primeira versão em larga escala do “Livro Livre” surgiu a partir de outra dessas idéias que têm conquistado o mundo: a “Photo Tag”. Aqui, em cada cidade, o “Livro livre” assume um perfil. Alguns lugares já adotaram uma base de dados para registro e mapeamento dos livros itinerantes, tentando garantir que voltem ao local de origem ou que, pelo menos, seus leitores compartilhem experiências. Mas, também há aquele público que não está preocupado com o reencontro das obras e apostam mesmo na literatura como alternativa e força solidária.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Próxima parada: umbigo da Bahia

Por Daniel Cruz
Foto Ana Inês

Ainda em Salvador lembramos que em nosso roteiro de viagem havíamos programado uma ida a algum forte. Então, perguntamos inocentemente no hotel: - No Centro Histórico existe alguma fortaleza que podemos conhecer? O rapaz, solícito, responde: - Sim, o Forte de São Marcelo foi restaurado há pouco tempo. – Que legal! Obrigado! Então, fizemos um passeio de ônibus pela beira-mar de Salvador, descemos na Praça da Sé e chegamos ao incomum elevador Lacerda.
Do alto vimos o Forte São Marcelo - ainda quando o trauma e o enjôo de navegar em alto-mar, durante quatro horas e meia para assistir ao balé da baleia jubarte na praia do forte, causava sofrimento na cabeça e no estômago do quinteto. De repente, um embrulho na barriga.

Sabe onde fica a Fortaleza? Lá vai: No meio do Mar! - Cancela a visita! Barco Não! (Ouve-se em coro). Todos gargalham. Mas, a pompa do Forte e a proximidade com a terra, há trezentos metros, fez Ana, a Bela Inês, ponderar: Esse rápido passeio vai nos livrar do trauma da náusea e, além do mais, o forte parece legal. Decisão tomada. O quinteto paga VINTE E CINCO CENTAVOS para descer no elevador e vai para o cais do porto. No meio do caminho passamos no mercado modelo para pechinchar com os artesãos.

Pegamos o barco cheios de desconfiança mas, em cinco minutos chegamos ao imponente batizado de Forte de Nossa Senhora do Pópulo e São Marcelo. Único forte circular das Américas construído no meio do Mar, em bancos de Arrecifes. Do século XVII, ele foi importante na defesa de Salvador e do País durante longos anos. A vista é sedutora.

Enquanto a brisa do mar massageia nosso rosto, admiramos o casario antigo que mescla o cenário com os prédios modernos. O novo que destoa e se perde de vista. Em 360º nos deliciamos com a vista do mar e das ilhas no horizonte. Guias detalham a história do forte bem conservado, de forma material e imaterial.

Um delicioso restaurante, com quadros náuticos, desperta curiosidade no quinteto, que degusta na cozinha do imperador: uma salada de folhas verdes, de entrada, carne de sol com purê de macaxeira e queijo qüalho (prato montado com delicadeza) e, para terminar, um sorvete de creme com mangas flambadas ao vinho tinto desperta o aroma da felicidade.

Na volta ao continente, a imagem do forte vai se afastando nas águas lisas da baía de todos os Santos. Essa fortaleza, que Jorge Amado batizou de “Umbigo da Bahia” e o insensível Imperador Dom Pedro II, em seu diário de viagem, descreve parecer, durante o dia, "com um empadão”. No império, talvez os quitutes tivessem gosto de pólvora.
Nossas aventuras na Bahia:

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Que país é este? (2)

Por Ana Inês

Três dias depois de aprovada Declaração Universal dos Direitos Indígenas - pela Assembléia Geral da ONU com o voto afirmativo de 143 nações, incluindo o Brasil - índio xacriabá é morto em Minas Gerais.

Os suspeitos foram detidos, mas a nação indígena lamenta por mais um ato de estupidez praticado contra seu povo. Domingo, 16 de setembro, morre Avelino Nunes Macedo, 25 anos. Ele ainda era criança, quando a Declaração dos Direitos Indígenas começou a ser negociada entre as Nações Unidas.

Em depoimento a uma pessoa amiga, o Indigenista e Historiador Heitor Kaiová, membro do Grupo de Apoio Coração e Espírito Indígena desabafa:

"Hoje, choramos a morte por assassinato de mais um parente,
Avelino Nunes Macedo, o índio xacriabá assassinado covardemente
(...)
Aproveito para te ensinar a rezar em Guarani(...)
Ao grande Espírito Nhande Rú não se pede nada em especial.
Só ajuda e proteção.
A Nha Mandú e Tupã pode pedir outras coisas.
Mas, quando conseguir, agradeça a Nhade Rú Eté primeiro.
Heitor Kaiová"

domingo, 16 de setembro de 2007

Que país é este?

Por Ana Inês

"Nas favelas, no senado, sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação (...) Que país é este?"

Depois de 20 anos, o refrão da música tocada pelo Legião Urbana, continua acompanhando gerações. Nada tão atual, depois de o senador Renan Calheiros ter se safado de parte das acusações que ameaçam seus direitos políticos. Nessa última quarta-feira, dia 12 de setembro, o presidente do Congresso foi absolvido por 40 votos em seu favor. Em sessão fechada e votação secreta foram contados mais 6 abstenções e 35 votos pela cassação.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Três pares de sapatos

Por Ana Inês

Havíamos procurado a obra Os comedores de batatas, por trazer nos traços de Van Gogh - ainda que inspirado em outro cenário e época - um retrato de dificuldades tão brasileiras. Mas, descobrimos os Três pares de sapatos e, de imediato nos vimos descalços, nos identificamos.

Por um mês, a obra de Van Gogh - óleo sobre tela, 49 x 72 cm, de 1886, que faz parte do acervo do Museu de Arte da Universidade de Harvard – ficou exposta também no Blog repórter free.

Sem maiores explicações, como é objetivo do Sarau, apenas aguçou nossa curiosidade e percepção.
Para nós, desde o início, muitos sentidos: tanto no realismo das solas gastas (do trabalhador rural, do repórter urbano, ou do andarilho em busca pela sobrevivência); quanto na releitura poética de três destinos por um mesmo caminho.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Os Camaradas: Jorge Amado e Luiz Carlos Prestes

Por Daniel Cruz
Logo na primeira ida do quinteto ao Largo do Pelourinho, eu e Ana, a Bela Inês, fomos batizados com um cafezinho, que espantou todas as nossas culpas e os nossos pecados, no Café Teatro Zélia Gattai. Este palco, que fica situado na Fundação Casa de Jorge Amado, sobrado que conserva o acervo literário do escritor baiano.

Em três quartos do Casarão, no primeiro andar de frente para o largo, estão expostos nas paredes fotos, desenhos e gravuras das suas obras, como os romances: O país do Carnaval; Capitães da areia; Gabriela cravo e canela; e Dona Flor e seus dois maridos. Tudo vigiado pelo guardião do Sobrado: Exu, orixá alegre e brincalhão, que nos traços do artista plástico Carybé virou marca da Fundação.

No sobrado, com uma rápida aula em versão infantil, Ana explica aos nossos filhos as estórias e histórias contadas por Jorge Amado. Na parede do corredor dos quartos, um pôster, ilustra memórias do livro O cavaleiro da esperança, vida de Luis Carlos Prestes, publicado por Amado em 1942, exilado em Buenos Aires, na época da ditadura de Vargas, período do Estado Novo (1937-1945). O primeiro exemplar foi escrito em espanhol e, no mesmo ano, foi traduzido para a língua portuguesa, com os títulos de: Vida de São Luís, Vida do Rei Luís ou Travessuras de Luisinho. O Presidente Argentino, no período de 1948 e 1955, Juan Domingo Perón, proíbe a circulação e manda queimar os livros. No Brasil, muitos viveram do aluguel dos poucos exemplares, que servia à causa da anistia aos presos e exilados políticos da época. Em 1945, veio o “perdão” e o livro foi fundamental para o fim das perseguições políticas.

Jorge Amado começou a militar na juventude comunista em 1934 e no ano de 1945 é eleito, pelo PCB, deputado federal para atuar na Assembléia Constituinte de 1946. Na época, a Câmara dos Deputados aprovou emenda de sua autoria que assegura a liberdade religiosa e de culto; e a emenda que isenta de tributos à importação a produção de livros, periódicos e papel de imprensa.

Em 1955, deixa o PCB, no entanto, não se torna um anticomunista, fato comum aos que saíam do Partidão. O escritor assume a posição de democrata ao invés de lutar pela ditadura do proletariado que, segundo ele, é pessoal e violenta. “Democracia não tem nada a ver com ideologia. Ou se é ou não é", disse na época. Assim, Jorge Amado dedica-se a literatura e foge do maniqueísmo político.


Em 1996, mesmo após a queda do Muro de Berlim Amado diz: “O capitalismo continua a ser um sistema político estreito, extremamente defeituoso, em geral conduz à guerra e ao racismo. Acabaram ditaduras perversas que falavam em nome do socialismo. No socialismo, forma superior da sociedade, reside o futuro do homem.”, em entrevista ao cientista político Sérgio Soares Braga publicada na revista Sociologia e Política da Universidade do Paraná.

Sua admiração por Prestes continua e é defendida, em fevereiro de 1979, em nota da vigésima edição do livro O cavaleiro da esperança. “Pessoa amiga, que somente agora leu este livro, achou-o ingênuo; a classificação não me desgosta. A ingenuidade não representa um mal maior; perigoso é o cinismo que vem se transformando em hábito no pensamento político do país. A condição ingênua destas páginas, escritas quando Hitler ameaçava dominar o mundo e a ditadura do Estado Novo parecia inabalável, nasce de minha obstinada crença no futuro”, escreveu Amado.

O romancista foi mais além: ”Discordar de Prestes, combatê-lo, é direito de todos os seus adversários políticos. O que ninguém pode fazer, honradamente, é negar grandeza à sua presença em mais de meio século da vida nacional, o extremo amor ao Brasil, paixão a conduzi-lo numa extraordinária trajetória”.

É fascinante! É inevitável! Com passos curtos sobre o ilustrado assoalho de madeira, entoa-se, em assobio, a internacional comunista. Um jovem casal de gringos olha desconfiado para mim e, o quinteto desce a escada em direção ao Café Teatro. Enquanto nossos filhos lambuzam-se com bolo de chocolate, assistimos ao final de uma adaptação para a TV baseada na obra “Os Pastores da Noite”. Na cena dramática: a moça, Otália, morre por amor após ser renegada pelo homem da sua “vida”.

Na sala de entrada do Casarão, Davi joga capoeira, íris toca Berimbau e Caio desentoou o Pandeiro. Ana clica as últimas imagens, enquanto compro um exemplar do Cavaleiro da Esperança, um charuto Dona Flor e três cigarrilhas para recordar o aroma daquele dia. Camarada Jorge Amado? Presente! Camarada Luiz Carlos Prestes? Presente!

Nossas aventuras na Bahia:
A bênção de Vinicius de Moraes

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

A hora do “sim” é o descuido do “não”

Por Ana Inês
Foto- reprodução Instituto Baleia Jubarte


Numa quarta-feira pela manhã, caminhamos na garoa até o farol, na Praia do Forte, e embarcamos numa lancha à escuna, que estava ancorada há poucos metros da praia, e nos levaria para avistar as baleias Jubarte. De imediato, percebemos que nosso ânimo ganhou várias facetas: da busca por coragem; da insegurança; do frio na barriga e do enjôo incontrolável, que nos acompanhou durante as quatro horas e meia que navegamos em alto-mar.
A explicação de Daniel para termos encarado nossa maior aventura em família, até hoje, está na música “Sei lá a vida tem sempre razão”, de Vinicius de Moraes, no trecho que diz: “...a hora do sim é o descuido do não”.

Talvez por isso, para uns bem pé no chão, navegar não seja realmente preciso, muito menos por diversão. Esse é o caso de Cosme, filho de pescador, que nos alugou material de mergulho na Praia do Forte: “Tenho toda a segurança mergulhando, mas a pior coisa do mundo é estar em cima de um barco”, disse pra gente numa conversa, em tom de conselho. Foi ele quem encontramos, por coincidência, no entardecer dessa quarta-feira, encharcados, de roupa e tudo, depois de desembarcar de nossa inebriante navegação.

Personagens em 3x4
Daniel parecendo o próprio comandante da embarcação, mirando firme a proa do barco – passou toda a viagem de pé, até se esvarar no convés. A cada onda maior que se aproximava e parecia estar prestes a cobrir o barco, ele encarava o mar e expressava um sonoro “Oba!!!”. Hoje, depois de todos perguntarmos o por quê daquela animação, enquanto nos encolhíamos, entendemos que cada um canalizou o medo de uma maneira.

Caio - dois anos, cinco meses e um novo vocabulário a cada dia – ficou impressionado com a reação de outra criança logo no embarque, e assimilou rapidinho o significado da palavra medo. Fechou os olhos, choramingou, me abraçou e adormeceu. Apenas despertou o ânimo ao sentar-se na areia da praia, assim que voltamos.

Davi - com sete anos e toda a força destemida para enfrentar os 7 mares - estava no cenário perfeito para encenar um filme de bravos piratas, mas passou a viagem deitado sobre a Jubarte de pelúcia (já batizada de Jujuba). Agora essa era a única baleia que se interessava por ver. Na primeira grande onda de uns 4 metros, que fez o barco saltar bruscamente, ele me pediu choroso para dizer ao capitão que não fizesse mais aquilo. Mas, apesar do susto, Davi foi o único que não enjoou. Para ele, houve até uma paixão: Sofi!, seu primeiro amor - uma francesinha que estava ao seu lado durante toda a viagem, e também em seus sonhos por dois dias.

Ana - com a coragem que precisava transparecer, só pensava em como poderia ter sido capaz de tamanha insensatez: submeter os filhos a uma situação que eu não poderia controlar e talvez até traumatiza-los. Estávamos todos no limite de nossas emoções. O alívio vem hoje, ao perceber que nenhum deles acordou assustado durante as noites que se seguiram à viagem.

Íris nossa bióloga, olhando o horizonte sempre de cabeça erguida - cedeu ao mal- estar e em seguida melhorou e dormiu. Quase não acorda na hora de ver a baleia, que acabava de aparecer e mostrar a calda, depois de pelo menos três horas de nossa viagem. A tripulação acabava de decidir pelo retorno e reconhecer o dia difícil para observações em alto-mar: “O pior dos últimos tempos”, segundo eles. Mas, agora Íris estava feliz, olhou novamente, demorou um pouquinho e viu um salto do mamífero, não tão gigante como haviam falado. Ficou impressionada com a descrição sobre a baleia que víamos aparecer e desaparecer nas águas a cerca de 100 metros.

Jubarte - sub-adulto de quatro metros e meio, tido como arredio, por não se aproximar do barco, nem estar acompanhado de seu grupo. Tão ágil, que não conseguimos registrar com a pouca velocidade de nossa pequena câmera digital.

Terra firme marujo! Gritou Davi, ao avistar o farol. Ele estava muito mais animado do que no momento em que vimos a baleia. Com certeza traduziu a sensação de nosso quinteto. Com os pés ainda trêmulos na areia, realmente precisávamos sentir o chão firme depois de quase cinco horas dentro de um barco. Mergulhar, talvez fosse a solução imediata para deixar possíveis traumas pra trás. Era preciso entrar e sentir o mar sem medo, o gosto e o cheiro salgado, ir pra casa com vontade de voltar pra nossa curta e bem aproveitada temporada praieira.

Nossas aventuras na Bahia:
A bênção de Vinicius de Moraes

Por mapas, trilhas, bússolas e alto-mar
Os Camaradas: Jorge Amado e Luiz Carlos Prestes
Próxima parada: umbigo da Bahia

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Personagens da Notícia: Zé Dirceu, o Judiciário e as eleições

Texto e Foto Daniel Cruz
No dia 7 de agosto o blog repórter free marcou presença no lançamento do sítio de Zé Dirceu www.zedirceu.com.br, para conferir de perto o gesto de “solidariedade” do meio político ao ex-ministro da Casa Civil, às vésperas do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República contra 40 pessoas envolvidas no suposto Caso do mensalão. O lugar não poderia ser mais propício: um bar, próximo à Esplanada dos Ministérios.

Entre amigos, políticos, assessores, curiosos e coleguinhas (apelido ácido, habitual de jornalistas para jornalistas), Zé Dirceu fez um teste de sua popularidade. O Clima era festivo e, ao mesmo tempo, de desabafo. A militância gritava: "Dirceu guerreiro do povo Brasileiro".

Como em qualquer "sítio", não poderia faltar os temperos e as bebidas. Afinal, a esquerda é festiva e a rotatividade do chopp, com muito colarinho, estava acelerada no balcão. As cachaças saliboa, isaura, chico mineiro, urucutana e salineira completavam prateleiras inteiras de bebidas, dividindo a ornamentação da festa com pastrami, provolone, copa, mortadela, soy, azeite e, como não poderia faltar, o Bicarbonato de Sódio estava tipicamente pendurado no Balcão. Bem sugestivo para agüentar um julgamento e agora, com a decisão do Supremo, enfrentar um processo criminal por corrupção ativa e formação de quadrilha.

No dia da festa, o blog repórter free registrou no boteco um encontro de "velhos amigos": Zé Dirceu e Palocci – ex-ministro da Fazenda. Nada como dar tempo ao tempo, já que os dois protagonizaram uma verdadeira quebra de braço para mostrar quem tinha mais PODER no governo petista, no primeiro mandato do Presidente Lula. De fato, abertura de processo não é condenação. O julgamento, no entanto, vai demorar e com certeza contaminar as próximas eleições presidenciais. Detalhe: Como estão os bastidores do Judiciário nesse caso?

domingo, 26 de agosto de 2007

Por mapas, trilhas, bússolas e alto-mar

Texto e Foto Ana Inês


Estávamos na Praia do Forte, Bahia, e em nosso roteiro muitos passeios foram ansiosamente traçados para sete dias. A parada obrigatória era no Projeto Tamar, mas, acima de tudo, nos demos permissão para aventuras. Tivemos as primeiras idéias a partir de um mapa ilustrado da praia, que encontramos em nossa pesquisa na Internet. Localizamos as piscinas naturais e, do outro lado, o curioso encontro do rio com o mar. Imaginamos a diversão certa para quem alcançasse aquela mistura da água doce e escura, com as ondas brancas salgadas. Vimos ainda a histórica Casa da Torre, chamada de Castelo Garcia D´Ávila, e nem sabíamos o quanto seria divertido andar pelas ruínas em labirintos, ou subir o caminho de barro a bordo de um tuc-tuc (uma carretinha de três rodas inspirada nos mini-transportes da Índia e da Tailândia).

Nessa época, de julho a setembro, a observação das baleias Jubarte que freqüentam a costa em busca de águas mais quentes para a reprodução da espécie também movimenta o turismo da região. Eles deixam o visitante animado para assistir, de perto, ao espetáculo montado por sua “simples” aparição. E, como qualquer um, estávamos permeados pelo assédio das operadoras que fazem o passeio.

Passados dois dias com tantas informações sobre o passeio em alto-mar, estávamos nos conformando em não realiza-lo. Uma das operadoras com a qual entramos em contato não permitia o embarque de menores de cinco anos, assim não poderíamos levar Caio. Nossas opções seriam fazer o passeio em dias alternados (eu e Davi, Íris e Daniel), o que quebraria nosso roteiro juntos, todos os dias; ou a gente podia alugar uma lancha com outro grupo, alternativa muito cara. Até que, no final da tarde do domingo, visitamos o Instituto Baleia Jubarte e ficamos de retornar na terça, quando estaria reaberto para visitação.

Em nosso penúltimo dia na praia, e única manhã de tempo mais fechado, com sol ameno e vento forte, observamos o quanto a escuna (aquele barco que nos levaria para ver as baleias) estava balançando... “ainda bem que não estamos lá”, brincamos com bom humor, enquanto construíamos um castelo de areia prestes a ser invadido pela espuma das ondas. Eu e Daniel voltamos no tempo e entramos na brincadeira. Levantamos as torres do Castelo e até um grande canal e uma barreira. De nossa fortaleza podíamos gritar: “barco à vista!”, e parecia mesmo que estávamos nos preparando para enfrentar um grande navio pirata.

No meio de tudo isso, fotos, fotos e mais fotos... como zomba o capitão Daniel. Por isso, tínhamos que guardar um espacinho na memória da câmera pra registrar a visita marcada para aquela tarde, ao Instituto. O primeiro ponto pra foto seria ao lado do esqueleto de uma Jubarte com mais de 13 metros, montado logo na entrada do Instituto. Então, já no início da noite, depois que ficamos encantados com tudo o que aprendemos sobre esse cativante mamífero, saímos direto para uma agência de turismo há poucos metros dali e acertamos nosso passeio para o dia seguinte. Pronto! Completaríamos nosso roteiro sem deixar de cumprir o que seria a parte mais excitante da viagem. A possibilidade de ver as baleias Jubarte de perto talvez tenha sido o que mais nos atraiu desde o início.

Nossas aventuras na Bahia:
A bênção de Vinicius de Moraes
A hora do “sim” é o descuido do “não”
Os Camaradas: Jorge Amado e Luiz Carlos Prestes
Próxima parada: umbigo da Bahia

repórter free


Depois de um certo tempo como projeto piloto, o blog repórter free cai literalmete na Rede. A partir de hoje estaremos publicando nossas aventuras jornalísticas e familiares. Para essa jornada formamos um quinteto com nossos filhos: Íris, Davi e Caio. Esse espaço talvez nos sirva como cartão de visita ou, simplesmente, um lugar no qual podemos exercitar o jornalismo sem depender de ninguém, como a própria acepção de nosso título.

domingo, 5 de agosto de 2007

A bênção de Vinicius de Moraes

Por Daniel Cruz
Foto
Ana Inês

Depois de passarmos belos sete dias na praia do forte, fomos curtir uma tarde em Itapoã. E para completar essa trajetória de felicidades ficamos na casa de Vinicius de Moraes. Ou melhor, no bar de Vinicius. Calma! Vou explicar: O hotel onde ficamos comprou a residência do poeta camarada e transformou o bar da residência e os quartos em aconchegantes acomodações. Lá, curtimos a brisa do mar na varanda, tomamos banho na piscina que também foi preservada e, claro, cantarolamos músicas do poetinha (essa referência é para os mais íntimos), jogamos xadrez com os meninos e tiramos fotos, fotos, fotos, fotos e mais fotos! Pôxa, que coincidência, eu cresci ouvindo músicas de Vinícius na radiola, no assobio e na voz do meu pai. E de repente, vêm todas essas lembranças à tona. Que êxtase! Que cheiro de infância!

Antes de curtir essa aventura, no caminho entre praia do forte e salvador, explicamos aos nossos filhos: Íris, Davi e Caio que em Salvador iríamos dormir em Itapoã na Casa de Vinicius. E logo se ouve: - De quem? - Onde? Aí, papai e mamãe explicam: - DE VINICIUS DE MORAES com todas as letras maiúsculas e orgulho! Ouve-se uma réplica: - Quem foi Vinicius? Como explicar para crianças de 2, 7 e 11 anos quem foi o capitão do mato Vinicius de Moraes; poeta e diplomata; o branco mais preto do Brasil; na linha direta de Xangô! como ele se "auto-biografava". Fácil exercício de rememoração: O disco Arca de Noé que tem a música "Lá vem o Pato Pata aqui, pata acolá" é de... (ouve-se de imediato em coro) - Vinicius. -Isso! Dele mesmo!

Da casa ficamos admirando o Farol de Itapoã e a Praça de Vinicius bem na frente do hotel. Uma estátua de bronze do poetinha olhando o farol (foto acima), canções escritas em volta da praça, um jardim e coqueiros completam o cenário. Lá tudo vira brincadeira, o formigueiro, o coco caído, o quinteto cantando, a conversa com turistas e moradores e as fotos...Todos são crianças naquele lugar. Para se despedir, dois copos de cerveja ilustram a ilusão de um bate-papo com o poetinha. Em certo momento, três turistas boêmios indagam: Bate uma foto nossa? Pode deixar o copo de uísque ao lado do poeta! Vale lembrar que, quando comprei a cerveja, o rapaz me alertou: - olha Vinicius gostava de uísque. Eu íntimo do poetinha retruquei: - É, eu sei, essa cerveja é só para lavar a garganta. E a dose do capitão do mato foi molhar o jardim que fica ao seu lado. Ah! É bom passar uma tarde em Itapoã; Ao sol que arde em Itapoã; Ouvindo o mar de Itapoã; Falar de amor em Itapoã. Saravá! Vinicius! Saravá!
Nossas aventuras na Bahia:
Por mapas, trilhas, bússolas e alto-mar
A hora do “sim” é o descuido do “não”
Os Camaradas: Jorge Amado e Luiz Carlos Prestes
Próxima parada: umbigo da Bahia