quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Os Camaradas: Jorge Amado e Luiz Carlos Prestes

Por Daniel Cruz
Logo na primeira ida do quinteto ao Largo do Pelourinho, eu e Ana, a Bela Inês, fomos batizados com um cafezinho, que espantou todas as nossas culpas e os nossos pecados, no Café Teatro Zélia Gattai. Este palco, que fica situado na Fundação Casa de Jorge Amado, sobrado que conserva o acervo literário do escritor baiano.

Em três quartos do Casarão, no primeiro andar de frente para o largo, estão expostos nas paredes fotos, desenhos e gravuras das suas obras, como os romances: O país do Carnaval; Capitães da areia; Gabriela cravo e canela; e Dona Flor e seus dois maridos. Tudo vigiado pelo guardião do Sobrado: Exu, orixá alegre e brincalhão, que nos traços do artista plástico Carybé virou marca da Fundação.

No sobrado, com uma rápida aula em versão infantil, Ana explica aos nossos filhos as estórias e histórias contadas por Jorge Amado. Na parede do corredor dos quartos, um pôster, ilustra memórias do livro O cavaleiro da esperança, vida de Luis Carlos Prestes, publicado por Amado em 1942, exilado em Buenos Aires, na época da ditadura de Vargas, período do Estado Novo (1937-1945). O primeiro exemplar foi escrito em espanhol e, no mesmo ano, foi traduzido para a língua portuguesa, com os títulos de: Vida de São Luís, Vida do Rei Luís ou Travessuras de Luisinho. O Presidente Argentino, no período de 1948 e 1955, Juan Domingo Perón, proíbe a circulação e manda queimar os livros. No Brasil, muitos viveram do aluguel dos poucos exemplares, que servia à causa da anistia aos presos e exilados políticos da época. Em 1945, veio o “perdão” e o livro foi fundamental para o fim das perseguições políticas.

Jorge Amado começou a militar na juventude comunista em 1934 e no ano de 1945 é eleito, pelo PCB, deputado federal para atuar na Assembléia Constituinte de 1946. Na época, a Câmara dos Deputados aprovou emenda de sua autoria que assegura a liberdade religiosa e de culto; e a emenda que isenta de tributos à importação a produção de livros, periódicos e papel de imprensa.

Em 1955, deixa o PCB, no entanto, não se torna um anticomunista, fato comum aos que saíam do Partidão. O escritor assume a posição de democrata ao invés de lutar pela ditadura do proletariado que, segundo ele, é pessoal e violenta. “Democracia não tem nada a ver com ideologia. Ou se é ou não é", disse na época. Assim, Jorge Amado dedica-se a literatura e foge do maniqueísmo político.


Em 1996, mesmo após a queda do Muro de Berlim Amado diz: “O capitalismo continua a ser um sistema político estreito, extremamente defeituoso, em geral conduz à guerra e ao racismo. Acabaram ditaduras perversas que falavam em nome do socialismo. No socialismo, forma superior da sociedade, reside o futuro do homem.”, em entrevista ao cientista político Sérgio Soares Braga publicada na revista Sociologia e Política da Universidade do Paraná.

Sua admiração por Prestes continua e é defendida, em fevereiro de 1979, em nota da vigésima edição do livro O cavaleiro da esperança. “Pessoa amiga, que somente agora leu este livro, achou-o ingênuo; a classificação não me desgosta. A ingenuidade não representa um mal maior; perigoso é o cinismo que vem se transformando em hábito no pensamento político do país. A condição ingênua destas páginas, escritas quando Hitler ameaçava dominar o mundo e a ditadura do Estado Novo parecia inabalável, nasce de minha obstinada crença no futuro”, escreveu Amado.

O romancista foi mais além: ”Discordar de Prestes, combatê-lo, é direito de todos os seus adversários políticos. O que ninguém pode fazer, honradamente, é negar grandeza à sua presença em mais de meio século da vida nacional, o extremo amor ao Brasil, paixão a conduzi-lo numa extraordinária trajetória”.

É fascinante! É inevitável! Com passos curtos sobre o ilustrado assoalho de madeira, entoa-se, em assobio, a internacional comunista. Um jovem casal de gringos olha desconfiado para mim e, o quinteto desce a escada em direção ao Café Teatro. Enquanto nossos filhos lambuzam-se com bolo de chocolate, assistimos ao final de uma adaptação para a TV baseada na obra “Os Pastores da Noite”. Na cena dramática: a moça, Otália, morre por amor após ser renegada pelo homem da sua “vida”.

Na sala de entrada do Casarão, Davi joga capoeira, íris toca Berimbau e Caio desentoou o Pandeiro. Ana clica as últimas imagens, enquanto compro um exemplar do Cavaleiro da Esperança, um charuto Dona Flor e três cigarrilhas para recordar o aroma daquele dia. Camarada Jorge Amado? Presente! Camarada Luiz Carlos Prestes? Presente!

Nossas aventuras na Bahia:
A bênção de Vinicius de Moraes